domingo, 31 de março de 2019

Sobre vizinhos


Moro num bairro residencial meio metido à classe média. Há uns anos o prédio da padaria, que virou marcenaria e que ficou fechado por um tempão, virou um tipo de residência. Pois o único terreno virou três casinhas, parede com parede, sem ninguém entender onde uma começa e a outra termina. Sabe, meio cortiço com privacidade. Muitas pessoas passaram por estas casas, muitos casais jovens com crianças, mães solteiras, solteirões. E por muito tempo morou uma senhora.

Essa senhora, a qual não sei o nome, morou exatamente na esquina. Nunca entendi se morava sozinha ou se morava com o outro senhor, mais jovem, que aparentava ser seu filho, que lá sempre estava. O fato é que quando eu trabalhava de manhã e saía de casa às 5h:30min, ela já estava sentada na sua varandinha, decorada por um vaso de folhagem, com cheiro de café misturado ao de cigarro no ar, ouvindo o programa de notícias da rádio, com seu shorts curto que revelava seu desinteresse em esconder as varizes originadas talvez pelo descuido, com certeza pela idade. Eu sempre lhe dizia “olá, bom dia” (tenho essa mania de dizer “olá” ou “oi” antes do “bom dia”, pois intimamente não considero um bom quebra-gelo), ela sempre me respondia “bom dia”, com uma voz de fumante veterana e sem nenhum ânimo, mais para cumprir a sua obrigação de responder à saudação lhe feita.

Uma vez, minha mãe, pensando que estava sendo inclusiva, convidou essa senhora para participar da Via-Sacra, ela teria que ceder a sua casa para ser uma parada da procissão religiosa, e geralmente coloca-se uma mesinha na calçada com uma imagem e vela. Pois bem, a Via Sacra passou por sua casa, e a senhora não armou os aparatos, não saiu para participar da reza, deixou a luz da cozinha acesa, e até dava para ver sua sombra na janela. Como quem diz que, realmente, não era obrigada a participar daquilo. Sempre achei que não recusou o convite para não ser desagradável com a boa intenção da minha mãe.

Essa senhora virou uma figura fixa da rua, uma pessoa que sempre estaria sentada na calçada ou na sua varanda, sempre respondendo com certa obrigação, sem fazer amizades e muito menos sem afastá-las.

Na última quinta-feira, na hora do almoço, minha mãe disse que a senhora da esquina faleceu. Fiquei sem entender:  Ela não estava sentada na esquina hoje cedo? Não, ela não estava, fazia um mês que estava internada. Claro, não que se caso eu soubesse de sua internação, iria lhe fazer uma visita. Mas me achei muito egoísta sem perceber a sua constante ausência.

No dia seguinte de sua morte, na sexta-feira à noitinha, passei pela esquina e vi de relance pessoas colocando os móveis numa caminhonete. Seus móveis sendo retirados, até o seu vaso e o rádio. Fiquei com aquela impressão de que a retirada de suas coisas era o encerramento para além do fim convencional, era os bastidores daquele final. A senhora não estará mais lá, nem seus móveis. Agora, está a placa de “Aluga-se” em sua casinha. Quem passar por lá pela primeira vez, não saberá da senhora fumante que madrugava todos os dias, talvez, conforme ela queria.

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