Moro num bairro residencial meio metido à classe média. Há uns anos o prédio da padaria, que virou marcenaria e que ficou
fechado por um tempão, virou um tipo de residência. Pois o único terreno virou
três casinhas, parede com parede, sem ninguém entender onde uma começa e a
outra termina. Sabe, meio cortiço com privacidade. Muitas pessoas passaram por
estas casas, muitos casais jovens com crianças, mães solteiras, solteirões. E por muito tempo morou uma senhora.
Essa senhora, a qual não sei o
nome, morou exatamente na esquina. Nunca entendi se morava sozinha ou se morava
com o outro senhor, mais jovem, que aparentava ser seu filho, que lá sempre
estava. O fato é que quando eu trabalhava de manhã e saía de casa às 5h:30min,
ela já estava sentada na sua varandinha, decorada por um vaso de folhagem, com cheiro
de café misturado ao de cigarro no ar, ouvindo o programa de notícias da rádio,
com seu shorts curto que revelava seu desinteresse em esconder as varizes originadas
talvez pelo descuido, com certeza pela idade. Eu sempre lhe dizia “olá, bom
dia” (tenho essa mania de dizer “olá” ou “oi” antes do “bom dia”, pois intimamente
não considero um bom quebra-gelo), ela sempre me respondia “bom dia”, com uma
voz de fumante veterana e sem nenhum ânimo, mais para cumprir a sua obrigação
de responder à saudação lhe feita.
Uma vez, minha mãe, pensando que
estava sendo inclusiva, convidou essa senhora para participar da Via-Sacra, ela
teria que ceder a sua casa para ser uma parada da procissão religiosa, e
geralmente coloca-se uma mesinha na calçada com uma imagem e vela. Pois bem, a Via
Sacra passou por sua casa, e a senhora não armou os aparatos, não saiu para participar
da reza, deixou a luz da cozinha acesa, e até dava para ver sua sombra na
janela. Como quem diz que, realmente, não era obrigada a participar daquilo.
Sempre achei que não recusou o convite para não ser desagradável com
a boa intenção da minha mãe.
Essa senhora virou uma figura fixa
da rua, uma pessoa que sempre estaria sentada na calçada ou na sua varanda,
sempre respondendo com certa obrigação, sem fazer amizades e muito menos sem
afastá-las.
Na última quinta-feira, na hora
do almoço, minha mãe disse que a senhora da esquina faleceu. Fiquei sem
entender: Ela não estava sentada na
esquina hoje cedo? Não, ela não estava, fazia um mês que estava internada.
Claro, não que se caso eu soubesse de sua internação, iria lhe fazer uma
visita. Mas me achei muito egoísta
sem perceber a sua constante ausência.
No dia seguinte de sua morte, na
sexta-feira à noitinha, passei pela esquina e vi de relance pessoas colocando
os móveis numa caminhonete. Seus móveis sendo retirados, até o seu vaso e o
rádio. Fiquei com aquela impressão de que a retirada de suas coisas era o encerramento para além
do fim convencional, era os bastidores daquele final. A senhora não estará mais
lá, nem seus móveis. Agora, está a placa de “Aluga-se” em sua casinha. Quem
passar por lá pela primeira vez, não saberá da senhora fumante que madrugava
todos os dias, talvez, conforme ela queria.
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