Escrever para organizar as ideias
na cabeça, para tentar transformar esse novelo enosado em uma linha reta. Claro
que isso tudo no plano do tentar. Também no plano do tentar, uso ainda a
Literatura e qualquer outro tipo de produção criativa (dos outros) como bengala
da vida.
Admiro quem usa a Arte como uma
forma de escape, admiro quem consegue ler um livro sem busca de metáforas. Eu,
que sempre fui cética às tragédias e maravilhas exacerbadas da vida, agora me
vejo levada por uma avalanche de leituras que alertam e brindam com o as
reportagens que leio.
Por isso, é hora de correr à
escrita para organizar tudo que está acontecendo.
Primeiro, as eleições. Sim, o
candidato menos político e diplomático possível foi eleito. Por mais
horrorizada que estivesse, sempre fui daquelas pessoas que diziam “isso não vai
acontecer”, “ele não fará isso”, “existem pessoas conscientes por trás dele”, “isso
é para ganhar voto”. Aos poucos eu percebi que tudo realmente não era só um
delírio da esquerda. Na verdade, as pessoas estão governando para mostrar quem
manda, não para dar o exemplo de civilidade. Agora me lembro até com graça,
como se fosse há 10 anos, aquele papo de torcer para dar errado.
Essa semana foi assunto de selar o caixão, o
que faltava acontecer para assumir a tragédia, enfim, aconteceu. Brasil ou Deus
acima de nós? Desumanidade acima de todos.
Antes é preciso avisar que passei
as férias fazendo leituras que julguei descompromissadas e depois, como num
momento vertiginoso, percebi que muitas das leituras dialogavam com
tudo que está acontecendo.
O primeiro livro das férias foi o
Me chame pelo seu nome, aquele livro
de verão delicioso, leve como uma pluma, história de amor que você sente até
pelas entranhas. Ademais, terminei a leitura levantando a bandeira LGBT mais
do que nunca, amando Elio e Oliver e jurando a minha própria vida para defende-los.
Depois, Léxico familiar. O romance, para mim, seria uma biografia divertida
da família da autora, a italiana Natalia Ginzburg, autora da qual lerei até bula
de remédio, caso ela escreveu alguma. Até que a partir da metade do livro, a narrativa revela ser, na verdade, sobre como a família e amigos de
Natalia foram perseguidos pelo regime totalitário de Mussolini. De como isso
afetou a vida da autora ao perder marido, amigos, irmãos exilados em outros
países e todo o medo que sentia refugiada num pequeno vilarejo. Nada doce como
imaginei, apenas o medo, terror e a decadência. E eles achavam que a guerra
nunca chegaria a Turim.
O próximo livro foi Esaú & Jacó, livro romanção do
século XIX, aquele livro que é só abrir, pegar o café e sentar na poltrona. Do
resto, é se deliciar com o narrador machadiano. Obviamente, queimei a língua
logo cedo ao saber que o livro é na verdade um documento daquele momento
histórico, no qual o Brasil passa de Império para República, e os dois irmãos
tomam partidos diferentes, a exemplo do país da época, o qual se divide entre
monarquistas e republicanos. E a partir dessa tensão, tudo pode acontecer,
muitos temem confusões na rua. Entretanto, nada disso ocorre.. Mudou o regime, mas
não houve grandes mudanças para o cotidiano da sociedade. O maior problema apresentado no
livro foi sobre o coitado do dono da confeitaria, que não sabia se deixava na tabuleta “Confeitaria
do Império” ou “Confeitaria da República”. Logo se vê que antagonismos e
política feita para poucos não é privilégio do século XXI.
A cereja do bolo é a leitura do
Livro Asco, de Horacio Castellanos
Moya. Livro meio irônico, meio escrito na brincadeira, mas com o fundo real e
escancarado da verdade. O livro é apenas um parágrafo, um desabafo um pouco
embriagado, um pouco repetitivo e rabugento do professor Vega. Desabafo sobre o
país El Salvador, o qual ficou nas mãos do Partido Comunista e posteriormente dos militares, com a divisão
real da sociedade, até a guerra civil. Entretanto, passados tantos
anos, a verdade é que o país caminha para a degradação tanto econômica quanto
social. Há momentos em que o narrador diz que em San Salvador as pessoas não se
importam com literatura, pois todos querem fazer administração de empresas, que
chamam a ONU de comunista e criticam todos aqueles que não se mostram
patriotas. O livro fala de El Salvador, melhor não esquecer.
Asco foi a cereja do bolo, aquela cereja bem artificial e
excessivamente doce, porque sempre me pergunto quando a sociedade irá atinar
para a derrocada que está acontecendo, enquanto que Asco pareceu um pressentimento que, de repente, um país nunca atina. Vive para sempre na derrocada invisível e ao mesmo tempo palpável para a
maioria da sociedade.
Todas as leituras por acaso
serviram para dar aquele empurrão e me alertar que os avisos estão chegando de
todos os lados, a Literatura não nos engana, ao contrário, ela diz a verdade
que não queremos ouvir. Os Loucos estão no poder.
A ponto de comemorar o fato de um
deputado, eleito pelo voto popular, recuse a posse do cargo e mude de país devido
às ameaças de morte que está sofrendo. Diante disso, uma população se divide em
dizer se é verdade ou mentira, ou se é bem feito ou se já vai tarde. Derrocada.
Escrever para colocar as ideias em ordem e não tampar os olhos.
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