quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A visita cruel


- Você cresceu, Alex -- disse ele. -- Igual a todo mundo. 

Uma espécie de "pare de se lamentar, agora você é igual a todo mundo, acabaram as desculpas" ou na melhor das hipóteses também pode ser um "orgulhe-se".

Não, isso não é sobre mim. Isso é sobre o livro A Visita Cruel do Tempo, de Jennifer Egan, 2010. Bem, existe todo um lado emocionante de se ler um livro contemporâneo: aquela necessidade da obra, da narrativa, precisar te convencer de seguir adiante. Porque quando estou lendo Pirandello e não estou muito segura se o livro está sendo bom pra mim é fato que nada mais é do que a minha incapacidade de leitora, e não culpa da obra.

Enquanto eu lia A Visita Cruel do Tempo o livro foi me convencendo já por seus temas declarados: pessoas que tentam sobreviver em Nova York de hoje. Pessoas que viveram em San Francisco nos meados dos anos 70. E depois um futuro recente: como que será a vida daqui uns poucos anos? Nesse mundo em que tudo o que se compra hoje será ultrapassado em 12 meses? Essas questões interferem no comportamento e vida de um grupo de pessoas que ao mesmo tempo se caracterizam por estarem produzindo, se adaptando ou lamentando as inovações do mercado da música, sobretudo o rock. 

Rebecca era uma estrela do mundo acadêmico. Seu novo livro versava sobre o fenômeno dos invólucros de palavras, expressão de sua própria lavra para se referir às palavras que não tinham mais significado fora das aspas. A língua inglesa estava cheia dessas palavras vazias - "amigo", "real", "história", "mudança" - , palavras que tinham sido esvaziadas de seus significados e reduzidas a meras cascas. Algumas, como, por exemplo, "identidade", "busca" e "nuvem", tiveram claramente sua vida exaurida pelo uso da internet. No caso de outras, os motivos eram mais complexos: como é que "americano" tinha virado uma palavra irônica? Como é que o termo "democracia" passara a ser usado de maneira maliciosa e irônica?  

Sim, parece que estamos nesse cerne que causará para sempre as transformações nos significados dessas palavras. Mal posso esperar pelo dia que minha geração será estudada.

É sobre essa noção de tempo, essa noção real - ele corre para mim, corre para você, para o seu amigo e para a enteada do seu vizinho - que o livro referencia. Primeiramente o prazer de conhecermos os personagens em um momento específico da vida, depois dentro de um capítulo de outro personagem lá está ele novamente, revelado de modo muito sutil o seu futuro ou o passado,  por intermédio da vida de outro.
Há toda uma graça em brincar com os pontos de vista também, fazendo todas as injustiças dos nossos julgamentos artificiais soarem muito alto. Tomar conhecimento de que Sasha é cleptomaníaca logo no primeiro capítulo, e por meio de sua sessão de terapia saber como isso é doloroso para ela, para, mais tarde, ler como isso foi referenciado por alguém de modo mesquinho - é sentir-se tão injustiçada quanto Sasha, portanto. Aquele assunto de que na verdade só nós sabemos das nossas verdades e elas só se tornarão claras justamente com o tempo.

O tempo, esse sujeitinho que todos sabem que irá correr, mas é sempre difícil de imaginar que o adulto responsável e bom exemplo de hoje morrerá sozinho, que o cara esperto da turma pode ir muito além do que se imagina porém reencontrará o cara que nunca alavancou na vida. Ou a moça bonita e promissora só terminará o ensino médio depois dos 40 e a mulher com a vida interessante que esconde um passado, no futuro abandonará tudo simplesmente para viver com o marido e ser mãe. Além das relações humanas: a melhor notícia do livro é que se o passar dos anos e seus efeitos são inevitáveis, por outro lado, todo mundo precisa compartilhar experiências, às vezes com as pessoas mais óbvias ou pode ser com quem menos imaginamos.

Rolem os dados, os números de agora não dizem nada sobre nossas vidas.



2 comentários:

  1. Sua postagem me fez lembrar dois livros: Notas de Inverno sobre impressões de Verão - Dostoiévski e o Fim da Fernanda Torres, que ainda tenho como meta de leitura. Ambos falam sobre o olhar pelo tempo. Em Dostoiévski a questão do segundo olhar como elemento necessário para se perceber que nada é estanque, pois o objeto pode mudar ou nós mesmos mudamos com o tempo, assim o segundo olhar tem seu valor mais do que respeitado. Já o da Torres, acredito que me fará enxergar o meu futuro através dos personagens, uma projeção acentuada dado que acumulamos experiências e talvez escondido lá no fundo de cada pessoa esteja essa curiosidade: como serei amanhã? no que mudarei? A linearidade ainda pra mim é um tanto estranha...não lido muito bem com o tempo....espero que ele lide melhor com a minha pessoa.

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    1. Pois é, muito bem lembrado, estou exatamente estudando as vozes de Dostoiévski, e é bem isso, a necessidade das outras vozes. E o tempo é exatamente essa surpresinha, sempre pensamos o futuro de modo um pouco fantasioso, mas pensando na vida real, essa que corre e mal vemos, é onde está a verdade desse mistério e é por causa disso que esses livros mexem tanto com a gente.

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