domingo, 12 de outubro de 2014

Chama-se insignificância

Uma das melhores coisas é ter uma gama de coisas pequenas que só fazem sentido pra você, e de repente elas começam a se desenrolar e começam a fazer sentido para outras pessoas ou elas se revelam cada vez mais em outras coisas pequenas, e assim vão se unindo às outras coisinhas, até que entendemos seus sentidos, e torna-se uma coisa grande, ao menos dentro de nós.

Causo 1. No meu primeiro ano da faculdade percebi que de fato me identificava com a literatura portuguesa. Com ela veio uma ótima professora que era doce, simpática e carismática na mesma proporção da seriedade que realizava seu trabalho. Fez-me perceber o que é afinal ter referências em literatura, cultura e o que é unir teoria à literatura e fazer com que uma área responda à outra, de verdade, sem enganação ou  delírio excessivo.
Dito isso, devo citar também meu encantamento talvez na mesma intensidade com a literatura africana, esse se passou em Coimbra. Só em 2013. Para uma determinada aula tive que ler o conto "Estória da Galinha e do Ovo" de Luandino Vieira. Li e reli esse conto sabe-se lá quantas vezes. Me senti uma grande idiota por nunca ter lido literatura africana e ter deixado passar histórias incríveis como essa.
 Passado uns semestres, há um mês mais ou menos, tive uma única aula com essa professora que está relacionada diretamente em minha memória com o início da faculdade e todo o poder de descobrimento desse período. E nem pude acreditar quando ela disse que trabalharia na sala de aula os significados daquele conto de Luandino Vieira. O momento em que as pequenas felicidades abstratas que menos fazem sentido em nós passam a se encaixar como se realmente fossem peças. Tive a aula do conto certo com a professora certa, se eu fosse montar essa grade não ficaria melhor. 

Causo 2.
Quando eu estava no ensino médio, me deu a louca de ler Guimarães Rosa, ouvi dizer para começar dos contos. Li Sagarana e depois procurei ler Manuelzão e Miguilim, que não consegui terminar nem a primeira parte. Motivo: não me lembro de ter sofrido tanto com um personagem como sofria com a vida de Miguilim. Criança que não é tratada como criança, que não é poupada do trabalho, da responsabilidade e o pior, do sofrimento. Deixei o livro de lado.
Anos depois, começo a trabalhar com crianças. Agora tenho essa obrigação de ter que parar de ser tão objetiva, esquecer a lucidez e tentar me aproximar ao máximo da imaginação, da poesia, da inocência que ronda a cabeça de uma criança, mas, sejamos sinceros, também de seus complexos e problemas.
Pois bem, também há poucas semanas, em uma aula única de início de semestre na faculdade, tive uma aula sobre o olhar infantil em obras literárias. Só pelo título fiquei empolgada, era disso que estava precisando. Mas quando a coisa está bem feita quero ver quem desamarre: a obra analisada foi exatamente Manuelzão e Miguilim para essa desconstrução do mito da infância perfeita que por lei é uma fase sem preocupações e que tem que deixar saudades na vida de uma pessoa. Miguilim é uma criança, além de sua vida difícil soma-se a isso os anseios naturais da pouca idade, que naturalmente poucos veem e ignoram suas necessidades. 
Fui contemplada com esse esclarecimento do meu sofrimento de anos atrás, me lembrei do personagem e ele enfim foi encaixado dentro da minha cabeça, seja pela teoria ou pela prática.


Adoro essas coisinhas que só fazem diferença para mim e que por isso me fazem tanto sentido. 

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